Crianças trabalham em lixão para ajudar mãesClaudia Silva Jacobs, de CamposTodas as tardes o ritual de Tatiana, de 7 anos, e de Raquel, de seis, é o mesmo: catar lata e papelão no lixão de Campos, no norte fluminense. As duas crianças são obrigadas, devido a falta de opções, a acompanharem as mães que trabalham como catadoras, onde juntas tiram em média R$ 100 por mês, a renda total para o sustento delas e de sete crianças.
"Não dá para deixar as meninas sozinhas em casa, porque não há segurança. O jeito é depois da escola trazer para o lixão", diz a catadora Ângela, de 25 anos, mãe solteira de Tatiana e mais outros quatro filhos.
Tatiana e Raquel não gostam do lixo. Sem pestanejar respondem que preferiam ficar em casa brincando.
"Aqui não tem brinquedo, é só trabalho. Eu ajudo a minha mãe aqui no lixão. Catar lixo não é bom," diz Tatiana que anda descalça em meio ao lixo onde já cortou o pé.
Trabalho e brincadeirasPara Raquel é a mesma coisa. Em casa ou na escola é muito melhor. Mas duas tentam passar o tempo conversando e catando possíveis brinquedos (a maioria quebrados) perdidos entre latas, plásticos e vidros.
As mães das meninas alegam que já procuraram auxílio em todos os projetos que conheciam.
"Não recebemos ajuda nenhuma. Já tentamos o Peti, o bolsa-escola e até o sacolão. Não ganhamos qualquer ajuda do governo. Aí fica difícil, né? ", pergunta Ângela que recentemente sofreu um corte profundo no braço ao trabalhar a noite no lixão. Mesmo com vários pontos no braço, Ângela não deixou de trabalhar.
Analfabeta, Ângela diz que gostaria de não ver os filhos no lixão. Ela começou a trabalhar no lixão aos 14 anos e diz que não consegue arrumar coisa melhor.
"Já estou cansada de me humilhar pedindo ajuda. Agora, só conto com Deus. Não sei porque é tão difícil conseguir ajuda. Tem gente que precisa menos e tem", reclamam as catadoras.
A reclamação é reforçada pelo conselheiro titular Ely Araújo. Trabalhando em contato com famílias carentes, ele diz que a demanda em Campos é muito maior do que a oferta. Além disso, o conselho tutelar não tem acesso aos critérios de seleção para os contemplados nos projetos.
"São muitos pedidos. Nós não temos acesso aos critérios de avaliação. Muitas vezes, os que mais necessitam não tem acesso às vagas. Nós fazemos um requerimento pedindo a inclusão das crianças que atendemos e tentamos garantir o acesso aos benefícios."
O conselheiro, ao entrar em contato com a situação das famílias das duas catadoras, fez um pedido para a inclusão das crianças em um projeto de jornada ampliada.
Ely Araújo também disse que está difícil segurar algumas crianças longe do trabalho porque os sucessivos atrasos nos repasses das bolsas leva muitas famílias a mandarem novamente os filhos para o trabalho.
Apesar de proibida a entrada, não foi difícil encontrar crianças trabalhando no lixão de Campos. M, de 14 anos, foi um dos casos que mais chamou a atenção do conselheiro tutelar.
Dizendo-se homossexual, M assumiu que tem relações sexuais com os motoristas dos caminhões que levam lixo ao depósito. O menor disse que é a forma que encontrou para ganhar dinheiro.
Demanda X OfertaO conselheiro tutelar Ely Araujo diz que a situação está cada dia mais difícil porque há muitas crianças na fila por uma bolsa em projetos como o Peti.
"O número de bolsas ainda é muito pequeno. O que podemos fazer é identificar as crianças que necessitam e enviar um pedido para a prefeitura, responsável pela distribuição da bolsa. No mais, ficamos cobrando uma resposta o mais rápido possível", diz Ely.
O conselheiro tutelar, em companhia da equipe da BBC Brasil, esteve vistoriando um lixão em Campos. Lá, encontrou crianças catando latas entre os detritos, contrariando as regras do local onde é proibida a entrada de crianças.
"Nós nos confrontamos com esse problema todos os dias. Tem muita criança precisando de bolsa. Enquanto isso, continuam trabalhando em condições sub-humanas como no lixão, quebrando pedra ou mesmo em olarias", disse.
Fonte: BBC Brasil